quarta-feira, 18 de maio de 2011

Reinauguração do Blog...


Faz muito tempo que quero retornar a publicar no "Domingo de Água", mas não havia inspiração, e o tempo é curto, mas devido ao fato de isto me fazer bem, resolvi que vou tirar um tempo para minhas reflexões.
Como já havia falado, o nome do blog advém de uma poesia de Osiris Rodríguez Castillo, e retrata aquelas coisas que somente se faz em dias de chuva, com bastante tempo mas sem possibilidade de encontrar outra atividade.
E agora, eu como Cacimbinhense por opção, tentarei dedicar alguns minutos do meu dia para postar algo que tenha algum valor a nível de cultura, algo assim. Meu intuito não é a promoção própria, tentando convencê-los sobre a correta maneira de pensar... mas sim de expor aquilo que penso e admiro, doa a quem doer.

Segue abaixo um texto de minha autoria que foi publicado no eigatimaula, blog da minha querida Cacimbinhas.

O gaúcho se perdeu...

Eu nasci em um centro plenamente urbano, e lá vivi por pelo menos 25 anos, entre idas e vindas entre Novo Hamburgo e Porto Alegre, rotina que hoje percebo o quão cansativa que era. “Me criei” vindo a Pinheiro Machado passar as férias, local onde adquiri o fascínio pelos assuntos do campo, observando meus tios e amigos religiosamente trabalharem na terra para dela tirar nem sempre o sustento (como muitos o fazem no município, e eu já não digo mais a maioria, porque não é mais uma verdade), mas a complementação de suas rendas. Religiosamente porque sempre interpretei tal fato como uma “re-ligação” constante a terra... Muito mais importante que catolicismos ou qualquer outro rito cristão. Considero mais importante porque essas pessoas, ao trabalharem na terra, lutavam contra intempéries e falta de recurso não somente pela melhoria financeira, mas também pelo prazer de assistir (no amplo sentido da palavra) os ciclos naturais que ocorriam todos os dias, a vida inteira a frente de suas retinas. E esta constatação me ajudou a aprender com as pessoas do campo e respeitá-los, característica muito importante para o exercício de minha profissão não somente aqui no município, mas em todos os locais por onde já andei.

O momento do ano que eu mais esperava nessa época era justamente a semana farroupilha.
Talvez meu parco português se deva as semanas e semanas de aula que matei para poder vir a
Pinheiro durante essas festividades. Inclusive durante a faculdade arranjei briga com um orientador de estágio por este motivo! Mas, bueno, sem luta, sem glória. E quando digo isso não me refiro à comemoração de uma guerra que todos nós estamos cansados de saber que culminou em um acordo político nada interessante ao Rio Grande do Sul e, portanto, nem deveria ser comemorada. Mas eu, dentro da minha cabeça de criança curiosa, aprendi que durante aquela semana de muita festa e respeito a rituais terrunhos não era simplesmente uma referência a possível bravura farrapa (do lado camponês, negro e humilde, porque a aristocracia rural da época somente demonstrou covardia), mas ali desfilava a própria história dessa terra, idealizada pelos seus filhos sempre tão fiéis a ela. Naquele momento ocorria uma demonstração daquilo que os pinheirenses sempre viveram... Não era um desfile simplesmente mostrando trajes e artefatos supostamente originários da guerra, mas também desfilavam os valores de uma gente que era gaúcha simplesmente por serem gaúchos, tava no gesto, não em aperos, nem em lenços. E essa imagem é o que procuro conservar sempre na minha memória, e não quero perdê-la tão facilmente.

Hoje voltei a Pinheiro Machado na condição de membro dessa comunidade, e tento participar
da maneira que posso, através do meu trabalho principalmente. Nem sempre consigo, mas isso é comum para quem começa. Mas o que me intrigou foi o fato de esses valores que sempre considerei únicos no povo de Pinheiro parecer estar definhando, a religião anteriormente dita ficando com um templo tapera. Acredite, meu intuito é de fazer uma crítica construtiva. Durante pelo menos sete anos andei por esse sul "véio" de ponta a ponta, e o que eu mais enxerguei foi um povo querendo ter essa ligação com a terra que eu via a tempos idos. E digo aos técnicos da minha área que a preservação de um modo de vida humilde em sua essência não precisa interferir na produtividade da terra, aliás, de forma alguma isso precisa ocorrer. Mas eu acho tão importante quanto produzir em maior escala (aumento da produtividade da terra e da mão-de-obra que nela trabalha) é a preservação da identidade das pessoas que aqui vivem. Pinheiro Machado sempre teve tantos Vandercis, Castelhanos, Quirelas, Becas, Lorivals, Dantes (vou dar uma puxada pro meu assado!) com seus defeitos, mas principalmente uma grande qualidade: foram e alguns ainda são gaúchos no cerne. Eu não disse que eram domadores, laçadores, pealadores, tropeiros, carreteiros, justamente porque muitos nunca foram isso. Mas eram gaúchos porque essa expressão contempla não somente essas outras ocupações (que os alemães justamente por se orgulharem de suas profissões tornaram-nas seus sobrenomes, independentemente de serem garis ou engenheiros, por acreditarem que todos eram a mesma coisa e tinham o mesmo valor perante a sociedade). Ser gaúcho é ser vanguardista, é não ter medo da mudança que quer provocar e lutar por ela, ainda conservando a humildade de quem tem um legado de sabedoria a qual não precisa ficar estampando exaustivamente como muitos pseudo-gaúchos o fazem. E para isso o nosso passado não precisa ser esquecido, aliás, é justamente o contrário que deve acontecer.

Certa vez fiz um estágio no Uruguai, não na fronteira com o Rio Grande do Sul, mas em Montevidéu, onde se presume que, a exemplo de nosso Porto nem sempre tão Alegre, a cultura não é algo muito forte. E encontrei justamente o contrário. Por exemplo, lá a cultura das corridas de cavalo é um “fatalismo telúrico” (parafraseando Guido Machado Moraes), e mesmo com o advento de conceitos técnicos tais como o do antidoping dos cavalos (que lá é muito mais exigente que aqui, uma vez que nem diuréticos são aceitos em Maroñas), as corridas não acabaram, aliás, nem se pensou na redução do esporte. Muito pelo contrário, o que eu presenciei foram casas humildes (inclusive muito parecidas com as nossas daqui) que abrigavam em seus pátios cavalos de corrida que eram tratados quase como membros da família, muitas vezes. Portanto, o avanço técnico não suprimiu a tradição de se ter cavalos naquele lugar.

E é isso que eu gostaria de dizer, não se pode perder aquilo que teve origem neste lugar. O cidadão pinheirense deveria lutar pela manutenção de sua história, seja através de uma tertúlia ou qualquer outro evento típico do município, e não exaltando um grupo como o Bonde do Forró que é cultura alheia, pessoal... podemos aceitá-la, festejá-la, mas o que ocorre é que nas ruas de Pinheiro não se ouve mais as características palavras do Aparício, Eron, da Norma, do Noel... Temo que ocorra o que já acontece em outras cidades do Rio Grande do Sul, onde comercializam um gaúcho sazonal que somente aparece na semana farroupilha ostentando um tradicionalismo pífio que não é nem uma migalha da originalidade que já vi em Pinheiro, quando guri.

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